segunda-feira, 16 de novembro de 2009

Teorias da comunicação para pedestres

Para introduzir o tema da comunicação para um neófito no assunto (o que vos digita), foi muito eficiente o livro “Teorias da comunicação: conceitos, escolas e tendências”, organizado por Antonio Hohlfeldt, Luiz Martino e Vera Veiga França (Vozes, 2001). Possui uma consistência e uma organicidade incomum nesses livros “organizados” com cada capítulo escrito por um autor. A sequência é bastante lógica, começando com aspectos epistemológicos, depois históricos, depois descritivos das teorias clássicas e das mais recentes, e, no final, um interessante capítulo sobre a evolução do assunto na América Latina.

Mesmo a parte inicial mais filosófica, escrita por Luiz Martino, que eu esperava que fosse algo muito abstrato, tem uma estrutura que conduz o leitor por “degraus” de forma instigante. O capítulo de Francisco Rüdiger sobre a Escola de Frankfurt é um dos pontos altos: é bastante claro e, simultaneamente, faz jus à complexidade do tema, e recusa e adverte contra as costumeiras simplificações.

A orelha da capa diz que é o primeiro livro de autores brasileiros a abordar o tema específico das teorias da comunicação como feito nos cursos universitários. Excelente começo. Deu-me vontade de aprofundar-me em aspectos específicos a partir dos autores citados. Senti-me como se uma porta tivesse se aberto e uma força me introduzido suave mas consistentemente através dela.

Finda a leitura, o que transpareceu foi que as pesquisas na América Latina descritas no final possuem um diferencial em relação a todas as outras citadas no resto do livro – a articulação com o subdesenvolvimento e a preocupação social – que dá a impressão que o último capítulo seria apenas o começo de um outro livro. Espero ansiosamente.

segunda-feira, 5 de outubro de 2009

O golpe de fato em Honduras

Foi golpe, sim. Pois Zelaya não tentou convocar uma consulta popular para alterar artigos pétreos da Constituição de Honduras. Tentou-o foi para perguntar: "Você está a favor de haver uma quarta cédula nas eleições gerais para que o povo possa votar se deve ou não haver uma Assembleia Nacional Constituinte para reformar a Constituição?" Essa é a redação da pergunta da consulta, segundo a revista Carta Capital. Então, a Constituição não dava legitimidade para o presidente ser destituído. O seu artigo 374 diz que quem tentar reformar a cláusula pétrea que impede reeleições do presidente teria que ser destituído. Não foi o caso. Houve um golpe.

É verdade que a consulta popular já havia sido declarada ilegal pelo Ministério Público e pelas autoridades eleitorais do país. E há uma lei hondurenha que legitima isso: consultas populares estavam proibidas para até 180 dias antes das eleições (marcadas para novembro; a consulta teria sido em junho). Então, Zelaya não podia convocar a consulta. Porém, não há nenhuma lei em Honduras que diga que isso implica na destituição sumária do presidente.

O objetivo dos golpistas e dos setores que apóiam o golpe não foi simplesmente aplicar a lei, mas livrar-se de Zelaya, que fazia um governo populista de esquerda à la Chavez, queria fazer uma Constituição “refundadora” e provocou uma crise com os militares com sua insistência na consulta ilegal.

E a tese de que a destituição de Zelaya teria o potencial de contribuir para o avanço do golpismo na América Latina recebeu um reforço com a notícia no Estado de que os governos do Brasil e dos EUA e mais a OEA temem que o episódio facilite outro golpe num país vizinho, a Guatemala, que também sofre de instabilidade política.

Veja também, neste blog: O elefante hondurenho

sábado, 3 de outubro de 2009

Borboletas da complexidade

O caos abunda no Universo. Não no sentido de “desordem completa”: a famosa “teoria do caos” refere-se a processos cujo desenrolar pode ser alterado drasticamente por influências mínimas (é o conhecido “efeito borboleta”). Ora, em geral, imaginamos que efeitos sejam mais ou menos proporcionais às suas causas: se uma grande pedra rola de um barranco e no meio do caminho esbarra em um mísero cascalho, a alteração de sua trajetória será minúscula. Mas... há casos bem diferentes.

Um exemplo. Entre Marte e Júpiter há inúmeros asteróides, fragmentos do que pode ter sido um planeta que nunca chegou a ser formado, por causa da perturbação gravitacional do gigantesco Júpiter. Ora, sabemos calcular a órbita dos planetas com precisão e podemos dizer onde estarão daqui a séculos – para isso, basta determinar com bastante precisão onde eles estão agora, e aí usar as equações conhecidas.

Mas, com alguns asteróides, isso não é possível. O motivo é que a influência gravitacional de Júpiter pode causar instabilidade nas suas órbitas, de modo que elas ficam muito sensíveis a influências mínimas. A menor perturbação, mesmo que invisível para qualquer medida, altera completamente a forma da órbita em poucos meses. Suas trajetórias são virtualmente imprevisíveis – mesmo que as equações que as descrevam sejam totalmente determinísticas!

Esse comportamento pode ser encontrado em inúmeras situações. Na evolução das espécies biológicas, em engarrafamentos de trânsito, no clima, no escoamento da água pela torneira, nas cotações das bolsas de valores etc... em qualquer sistema suficientemente complexo (o que faz pensar: o que há de mais complexo que uma sociedade humana?). O mundo é regido pela ordem, mas também pelo caos.

quinta-feira, 1 de outubro de 2009

O elefante hondurenho

Crises como a de Honduras, ainda mais as de cores cinzentas, provocam defesas incomumente claras de opiniões. Ontem, aconteceu de alguns textos de diferentes jornais dialogarem entre si como se tivessem sito escritos um em resposta ao outro. É interessante cotejá-los.

O editorial do Estadão, francamente desfavorável a Zelaya e à decisão brasileira de abrigá-lo em sua embaixada, derrama-se em dizer os podres “bolivarianos” do presidente deposto, mas não diz um “a” sobre o modo como o golpe aconteceu. Já o artigo de Elio Gaspari na Folha de S. Paulo não tenta destrinchar se foi ou não golpe, nem tenta provar que a ação do Brasil não caracterizou intervenção nos assuntos internos de outro país – ao contrário, defende a possibilidade de intervenção diplomática para deter o avanço do golpismo na América Latina.

O ponto de vista de Gaspari é mais amplo, diferenciado do de vários outros articulistas, que dão ênfase nas formalidades. Pedro Estevam Serrano fez uma análise da Constituição hondurenha na Folha para mostrar que nem ela nem a intervenção da Suprema Corte não legitimam a ação dos golpistas. Mas, no mesmo dia, foi publicado no Estado um texto de José Nêumanne que reproduz a íntegra de um artigo de que Serrano não falou, o 239, que diz que sim, quem quebrar a inegibilidade “ou propuser sua reforma (...) terá de imediato cessado o desempenho de seu respectivo cargo”. Mas Nêumanne também não mencionou que a mesma Constituição diz que não se pode expulsar alguém do país, vestido ou de pijama.

Enfim, uns falam do rabo do elefante, outros da tromba, outros da orelha, mas poucos falam do elefante em si – que está mais para mamute com cabeça de ornitorrinco.

Veja também, neste blog: O golpe de fato em Honduras

quarta-feira, 30 de setembro de 2009

Apresentação deste blog

Criei este blog para fazer exercícios de treinamento de redação de textos. Quem se dedica à escrita tem que escrever todos os dias. O caso é que escrever só para si é diferente de escrever para publicar. A exposição faz toda a diferença. Então... vamos dar a cara para bater!

Abaixo, há outros blogs meus com textos menos "experimentais":

http://afisicasemove.blogspot.com/

http://polticainternacionalafricana.blogspot.com/

Ciência x cultura?

Incomoda-me a divisão estanque entre jornalismo cultural e jornalismo científico. Afinal, ciência é cultura. Não só, mas também. É verdade que não seria lá muito adequado discutir inovações tecnológicas ou política científica em cadernos culturais. Mas a ciência vai muito além disso. Buracos negros, elos entre símios e seres humanos, a vida privada na Idade Média, nada disso tem a ver com desenvolvimento de novas tecnologias. É bom saber dessas coisas porque... é interessante! E conhecê-las faz parte da formação do cidadão pelas mesmas razões que conhecer músicas de Mozart ou os livros de Guimarães Rosa: alarga os horizontes e capacita a procurar alargá-los. Olha só: a cientificíssima teoria do Big-Bang veio interferir com força total em elementos tradicionais de qualquer cultura – sua cosmologia, sua visão de mundo, e até sua religião. É cultura.

Às vezes dá para encontrar no jornalismo cultural alguma coisa das ciências humanas, como a sociologia, mas mais em cadernos culturais elitizados dominicais de jornais maiores. Mesmo áreas vistas como essencialmente culturais pelo senso comum, como a filosofia, têm o mesmo tratamento ou são encaradas como literatura (é comum acontecer em estantes de livrarias).

Claro que melhorar tudo isso implicaria em acrescentar a ciência à já assustadora biblioteca dos jornalistas culturais. Simplesmente adicionar jornalistas científicos aos cadernos de cultura não seria suficiente, pois uma das melhores características dos seus colegas “culturais” é entenderem um pouco, às vezes muito, de tudo – e os científicos terão que estudar música, teatro etc. Se não, estaríamos apenas mascarando a divisão estanque. Bem... ninguém disse que a vida era fácil.